Constitui prática muito comum no campo da tributação, a alta carga para produtos que o governo deseja desestimular o consumo, tais como, bebidas e cigarros, o efeito indesejado pelo poder público, é o crescimento do comércio ilegal, com preços mais atrativos e facilidade para adquirir.

Tributos com característica extrafiscal, não servem primordialmente para arrecadar valores aos cofres públicos, mas sim, como meio regulatório do mercado nacional, estimulando ou desestimulando condutas por parte dos sujeitos da roda tributária.

Destaca-se nessa questão, a indústria do cigarro, que encontra diversos entraves regulatórios para abertura de empresas, com registro especial previsto em lei, e arcando com uma carga tributária que varia de 70% a 90%. Clara conduta do Poder Público visando diminuir a cultura do tabagismo.

Tal prática, é normal em diversos países, não só no Brasil, no entanto, há alguns efeitos indesejados que podem ocorrer, fazendo com que surjam prejuízos em outras esferas que divergem do campo econômico e tributário.

No caso do cigarro, a extrafiscalidade é motivada pelos efeitos nocivos na saúde dos usuários, pelos gastos com saúde pública com aqueles que desenvolvem doenças relacionadas ao tabaco, e, por último, busca-se a arrecadação.

Porém, tais condutas, tem consequências prejudiciais em relação à comercialização do cigarro, visto que, a alta tributação irá recair sobre o consumidor final, fazendo com que o preço do produto suba, estimulando o comercio ilegal, que conta com preços extremamente mais baixos, sem carga tributária.

O Brasil vem sofrendo constantemente com o contrabando de cigarros, principalmente vindos do Paraguai, estima-se que o país vizinho produza 70 bilhões de unidades de cigarro, sendo que apenas 3 bilhões de unidades abasteçam o comércio interno. A carga tributária do cigarro no Paraguai é aproximadamente 20%.

A comercialização ilegal, faz com que o Brasil tenha enormes prejuízos com o cigarro anualmente, todos os fatores acima citados, ligados ainda à inadimplência das empresas tabagistas juntos aos entes federativos, resulta em um gasto cinco vezes maior do que o produto arrecadado através da tributação do cigarro.

Nesse cenário, além do gasto com saúde pública, regulamentação e combate ao contrabando, a arrecadação é baixa no setor, estimando um prejuízo anual de quase 60 bilhões, de acordo com dados retirados de um estudo feito pelo Ministério da Saúde em 2017. O mesmo acontece com as bebidas alcoólicas, que tem tributação alta e contam com grande demanda vinda do Paraguaia, dado o baixo preço.

A prática de desestimular o consumo é comum e irá continuar, entretanto, para combater a comercialização ilegal de produtos com trânsito fácil nas fronteiras nacionais, deve haver um maior investimento no combate, principalmente ao crime organizado, que lucra vultuosos valores com o contrabando.

Sendo como regulador de mercado ou fruto da tributação do pecado (texto sobre o tema nesse link), o Estado deve atuar buscando diminuir a concorrência desleal e o mercado ilegal, para tanto, deve mapear os efeitos colaterais que tais condutas podem ter.

O caso da Empresa tabagista American Virginia é um marco nessa questão. Estabelecida no Brasil com o intuito de se tornar uma potência na indústria do cigarro, deixou de pagar tributos, com isso, diminuiu o valor do seu produto e, com isso, alavancou suas vendas.

O Estado brasileiro teve que agir drasticamente e contrariando a praxe legal, além da cobrança dos tributos e a multa pela falta de pagamento, em decisão polêmica, o Supremo Tribunal Federal, cassou a licença específica de funcionamento da empresa, impedindo a sua atuação no país, usando como precedente o Decreto-Lei 1593/1977, que até hoje é tema de discussão sobre sua possível inconstitucionalidade.

Tal conduta levantou a discussão sobre sanções políticas frente à ausência de pagamento tributos, dando nascimento a três súmulas importantíssimas no STF, sobre a tema, mas que vem na contramão do entendimento da corte no citado julgamento:

Súmula nº 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo;

Súmula nº 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos; e

Súmula nº 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Porém, a explicação para a conduta do Tribunal, em cassar a autorização de funcionamento da empresa, é mais ampla e plausível, do que a mera questão de falta de pagamento de tributos. O comportamento da empresa americana, fez com que a venda de seus produtos fosse monopolizada no comércio interno, visto que, não pagando tributos poderiam vender com valor mais baixo.

Dessa forma, a concorrência sadia entre as empresas foi lesada, denotando clara conduta desleal da American Virginia, frente aos seus concorrentes, sendo imprescindível que a atuação judicial fosse pautada na regulação do mercado e na garantia da ordem econômica.

Em julgamentos posteriores, o STF também definiu o fechamento de empresas que eram devedoras contumazes de tributos, porém ainda há pendências na discussão sobre o tema, que tem a maioria dos Ministros com opinião favorável à cassação do registro.

Fica evidente que a mão do Estado na regulamentação, bem como, para influenciar na vida diária do cidadão tem efeitos que podem ser nocivos, mas que, necessitam serem previstos pelo Poder Público em geral, que deve estar preparado, caso contrário o prejuízo pode ser grande.

 

Leonardo Herbert