Com o crescimento diário dos casos de Covid-19 e um futuro de muitas incertezas, o Brasil se depara com a necessidade da realização das eleições para Prefeitos e Vereadores nos mais de 5.500 Municípios espalhados pelo País em outubro desse ano, nesse cenário de pandemia, surgem dúvidas quanto à realização das eleições que se aproximam.
No início do ano de 2020, o Brasil se preparava para os mais diversos eventos, entre eles, as eleições municipais. As movimentações políticas se tornavam cada vez mais constantes e o cenário com seus personagens ia se montando para mais uma disputa eleitoral.
Entretanto, a pandemia causada pelo novo Coronavírus criou um alerta e uma incerteza quanto à realização de qualquer evento no país e no mundo, incluindo, obviamente, qualquer eleição que necessite da presença massiva da população, dada a importância das medidas de isolamento social.
Nessa conjuntura, já começam a surgir alternativas para o pleito de outubro, ventila-se a possibilidade de adiamento das eleições e sua realização apenas em dezembro, ou em 2021, ou até mesmo, uma eleição geral em 2022, unificando-se com as eleições nacionais, o que prorrogaria o mandato dos atuais chefes do executivo e integrantes do legislativo municipal.
A classe política e judicial se divide entre aqueles que são a favor do adiamento e os que acham a discussão ainda precoce, uma vez que, o panorama da pandemia no país ainda não é definitivo e que mesmo após a provável queda no número de casos do Covid-19 em setembro, conforme estimativa inicial do Ministério da Saúde, há necessidade de cuidados posteriores para evitar uma segunda onda de contaminação.
O Senador Major Olimpo (PSL-SP), prometeu apresentar projeto de Emenda Constitucional visando o adiamento das eleições e a realização de uma eleição geral unificada entre entes federais, estaduais e municipais, para que o gasto com o evento seja reduzido.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM), se movimenta no sentido de adiar as eleições, postergando o fim do mandato, atribuindo um mandato de 05 anos nos cargos municipais e visando o fim da possibilidade de reeleição, a medida em meio a pandemia busca resolver a situação imediata, mas também tem o condão de impor uma alteração legislativa permanente para os próximos anos.
O posicionamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, posiciona-se no sentido de ser real a chance de adiamento das eleições em outubro, mas que a votação seja postergada ao menos até dezembro.
O Ministro se diz contrário à prorrogação dos mandatos em dois anos e realização de eleições gerais em 2022, ainda, limitou até junho a definição sobre a realização ou não das eleições em 2020.
Mencionados os relevantes posicionamentos, é de suma importância discorrermos sobre os fundamentos visando o adiamento ou a obrigatória ocorrência do pleito eleitoral municipal.
De plano, ressalta-se que por conta do princípio da anuidade eleitoral, as alterações legislativas ocorridas neste ano, só valeriam a partir do ano seguinte, vejamos o que diz o artigo 16 da Constituição Federal:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Desse modo, a alteração das regras eleitorais ocorridas em 2020, só valeriam para as eleições de 2022 em diante. O óbice constitucional é o que vem motivando as movimentações parlamentares visando o adiamento da eleição através de Emenda Constitucional.
Porém, a alteração no texto da Constituição encontra uma proibição ainda maior, uma vez que, o artigo acima colacionado, foi considerado cláusula pétrea pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n° 3685-8/DF, que considerou o contido no artigo 16 da Constituição Federal, garantia fundamental individual do eleitor, conforme se depreende do acordão da mencionada ADI:
Enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.94), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e “a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral” (ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello). 5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). (ADI 3685, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 22/03/2006, DJ 10-08-2006 PP-00019 EMENT VOL02241-02 PP-00193 RTJ VOL-00199-03 PP-00957).
Diante do vigor da norma constitucional tratada como cláusula pétrea, para alteração das regras legislativas visando a prorrogação de mandatos eletivos, adiamento das eleições ou realização de eleições unificadas e gerais em 2022, restaria apenas a quebra da norma de caráter imutável, fundamentando-se na narrativa de vasto impacto social e necessidade de abruptas mudanças para manutenção das medidas de contenção do coronavirus.
Neste viés, é imprescindível que se discuta até que ponto se faz necessária o ataque à cláusula pétrea e a sua adequação aos clamores da atual sociedade, que se encontra em meio a uma pandemia, com efeitos ainda incertos, mas já catastróficos.
Ademais, por contexto histórico, denota-se que determinados preceitos sociais, ganham status de imutabilidade, portanto, se tornando cláusulas pétreas, com o intuito de coibir as ingerências de figuras autoritárias contra o Estado Democrático de Direito, muitas vezes recém eclodido, pós períodos ditatoriais, assim sendo, o precedente quanto à quebra do poder pétreo dos preceitos constitucionais, que seria criado em uma possível alteração do artigo 16 da Constituição Federal, poderia ter efeitos nocivos à democracia do país.
A alteração de cláusulas pétreas, em tese, só seria possível através do legislador constituinte originário, portanto, com a promulgação de uma nova Constituição, entretanto, as características político-sociais do Brasil, que demonstra uma grande instabilidade democrática, dão brecha para que qualquer possibilidade seja plausível, inclusive a derrubada pela mesma via, de um preceito considerado cláusula pétrea por uma decisão judicial.
Afinal, o artigo 16 da Constituição Federal, considerado cláusula pétrea no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n° 3685-8/DF, tem na sua inalterabilidade a força necessária para acompanhar as mudanças sociais implantas pela pandemia? Ou seria razoável sua alteração visando a aplicação de medidas que poupem vidas no futuro, por exemplo, a não realização das eleições municipais de 2020 e a extensão dos mandatos para 2022?
Considerando o avanço da pandemia, de fato, realizar as eleições em outubro, nos mesmos moldes que historicamente fomos acostumados a votar, seria um grande retrocesso no combate ao coronavirus, nesse cenário, a saída pode ser investir em métodos tecnológicos para possibilitar uma votação segura e à distância, bem como, estender os dias que ocorra o pleito eleitoral visando a não aglomeração de pessoas nos dias de votação.
As eleições cada vez mais se aproximam e os prazos dos procedimentos perante a justiça eleitoral continuam correndo, porém, a discussão sobre a realização das eleições em 2020 ainda é embrionária e depende muito do cenário que será enfrentado no futuro por conta da pandemia.
Leonardo Herbert
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