A morte de George Floyd, trouxe diversas ondas de protestos pelo mundo reivindicando a igualdade racial, diante disso, é importante olharmos para trás e analisarmos o conteúdo normativo sobre racismo no Brasil, talvez isso explique como pensa parte da sociedade.
LEI n° 1.390, DE 3 DE JULHO DE 1951.
Inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de côr.
Art 1º Constitui contravenção penal, punida nos têrmos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de côr.
Parágrafo único. Será considerado agente da contravenção o diretor, gerente ou responsável pelo estabelecimento.
Art 2º Recusar alguém hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade, por preconceito de raça ou de côr.
Pena: prisão simples de três meses a um ano e multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros).
Art 3º Recusar a venda de mercadorias e em lojas de qualquer gênero, ou atender clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, abertos ao público, onde se sirvam alimentos, bebidas, refrigerantes e guloseimas, por preconceito de raça ou de côr.
Pena: prisão simples de quinze dias a três meses ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Art 4º Recusar entrada em estabelecimento público, de diversões ou esporte, bem como em salões de barbearias ou cabeleireiros por preconceito de raça ou de côr.
Pena: prisão simples de quinze dias três meses ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Art 5º Recusar inscrição de aluno em estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito de raça ou de côr.
Pena: prisão simples de três meses a um ano ou multa de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Parágrafo único. Se se tratar de estabelecimento oficial de ensino, a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada em inquérito regular.
Art 6º Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo do funcionalismo público ou ao serviço em qualquer ramo das fôrças armadas, por preconceito de raça ou de côr. Pena: perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito regular, para o funcionário dirigente de repartição de que dependa a inscrição no concurso de habilitação dos candidatos.
Art 7º Negar emprêgo ou trabalho a alguém em autarquia, sociedade de economia mista, emprêsa concessionária de serviço público ou emprêsa privada, por preconceito de raça ou de côr.
Pena: prisão simples de três meses a um ano e multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), no caso de emprêsa privada; perda do cargo para o responsável pela recusa, no caso de autarquia, sociedade de economia mista e emprêsa concessionária de serviço público.
Art 8º Nos casos de reincidência, havidos em estabelecimentos particulares, poderá o juiz determinar a pena adicional de suspensão do funcionamento por prazo não superior a três meses.
Na transcrição acima, encontra-se a integralidade da Lei Afonso Arinos, a primeira legislação contra o racismo no Brasil, promulgada no ano de 1951 pelo Presidente Getúlio Vargas. A autoria do projeto, foi do Deputado Federal Afonso Arinos de Melo Franco, que, de acordo, com as notícias da época, foi motivado pelo episódio onde um hotel se negou a hospedar a bailarina afro-americana Katherine Dunham, por conta da cor de sua pele.
Importante ressaltar ao leitor, que a presente publicação não tem o intuito de falar sobre o que é o racismo ou se aprofundar no tema, afinal, acredito muito na ideia do “Skin in the game”, popularizado best-seller do “The New York Times”, de autoria de Nassim Nicholas Taleb.
Aqui vale uma citação breve, o livro mencionado traz a ideia central de não ouvir sobre determinados assuntos, quem não arrisca a própria pele na causa, o termo “Skin in the game”, é muito utilizado no mundo dos investimentos, atribuindo pouca valia nos ensinamentos dos investidores que não tem resultados financeiros e nem experiência em, basicamente, ganhar dinheiro investindo.
Aplicando esse conceito em relação ao debate sobre o racismo, dificilmente quem não sofre os efeitos do racismo na pele, terá tanto a acrescentar ao assunto, ocupando a posição de protagonista, apesar disso, não acho que branco não possa falar sobre racismo, até porque, na ideia estrutural de hierarquia racial no Brasil e no mundo, que infelizmente existe, brancos e pretos são peça chave, no entanto, talvez seja mais viável, caso um branco queira falar, e no seu âmago, o julgamento foi de que a fala enriqueceria o debate, primeiramente escutar quem sofre, e depois falar.
Aliás, se o combate às desigualdades estivesse nas mãos de quem tem “Skin in the game”, talvez teríamos evoluído mais como sociedade nessa questão. A Lei juntada a essa publicação, é do ano de 1951, ela estabelece penas leves ao autor de condutas racistas, porém, não são condutas de insulto e lesões físicas que são penalizadas, mas sim, condutas de hospedar, servir, atender e impedir a entrada de pessoas pretas que queiram pagar por algum serviço prestado pelo estabelecimento.
A letra da Lei, demonstra como pensava parte da sociedade na época, e mais, indica como continuou pensando a sociedade da época, que educou crianças, que hoje são adultos, e que educaram mais crianças e assim seguiu-se, e que talvez não tenham o pensamento tão distante ao que aquela lei tentou coibir.
Afinal, a Lei regula condutas sociais, no entanto, não tem o condão de automaticamente mudar o pensamento do cidadão, é o que aconteceria, por exemplo, se o Estado decidisse instituir mais um imposto, a população pagaria o tributo, uma vez que, a sua inadimplência causaria efeitos negativos, entretanto, muito provavelmente mostraria enorme insatisfação e teceria críticas infinitas ao governo. Veja, a conduta muda, mas o pensamento de “o governo está roubando meu dinheiro”, continua.
Com todos os recentes acontecimentos e a onda de manifestações pelo mundo contra o racismo, é necessário falarmos sobre isso, mas principalmente, é imprescindível olharmos para si e para quem nos cerca, sermos sinceros com nós mesmos e valorizarmos quem luta por igualdade, não com atos de vandalismo, mas sim, espelhando a luta de grandes lideres da humanidade que tinham a sua arma nos livros e no diálogo, afinal, eles arriscaram a própria pele.
Leonardo Herbert
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