A falta de normatização específica ou, ao menos, mais próxima da realidade da relação médico e paciente, impõe aos profissionais da medicina, uma atuação desde o início, extremamente defensiva visando mitigar os efeitos de uma possível demanda judicial futura.

A evolução da sociedade traz consigo a necessidade do desenvolvimento de normas para regular as novas realidades, fazendo com que a subsunção do fato à norma, seja correta e expresse a real necessidade dos indivíduos participantes da relação fático-jurídica.

Como exemplo mais palpável, vemos as regulamentações necessárias para o uso da internet no Brasil, que, mesmo com a evolução trazida pelo Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014), ainda são necessárias a criação de regras que prevejam diversas situações ocorridas nesse meio.

O campo do Direito Médico, prevê o estudo da atuação na medicina, analisando seus limites e estabelecendo regras principiológicas e normativas para estabelecer as adjacências da atuação do médico e dos atos do paciente, entretanto, tal relação, não é nova, muito pelo contrário, a figura do médico está presente em inúmeros momentos da história, sempre demonstrando sua enorme importância à sociedade.

Desse modo, indaga-se, o que explica a limitadíssima normatização para estabelecer o norte da relação médica? A resposta, acredita-se, mantém no fato da adequação da relação médico-paciente ao Código de Defesa do Consumidor, tendo larga aplicação pelos tribunais espalhados pelo país, inclusive com entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, e carregando consigo muitas polêmicas questionando a sua aplicação ao caso.

A relação consumerista regida pelo CDC regulamenta o desigual vínculo entre o consumidor dotado de hipossuficiência e o fornecedor, fabricante ou prestador de serviços, que detém todos os meios para obter integralmente as informações sobre o produto vendido ou serviço prestado, além, de geralmente, haver desigualdade econômica entre as partes.

Nessa seara, aplicando a relação médica ao Código de Defesa do Consumidor, teríamos o médico como parte juridicamente mais robusta e o paciente como o hipossuficiente. Nos casos de suspeita de erro médico, de fato, a ótica da inversão do ônus da prova poderia ser útil, ou talvez com uma distribuição do ônus da prova mais justa para a comprovação efetiva do ocorrido.

No entanto, quando se focaliza nos processos em geral, onde não houve erro médico, apenas insatisfação do paciente com algum resultado da trabalho, vemos que a inversão do ônus da prova é injusta, fazendo com que o profissional da medicina tenha que comprovar que não praticou atos medicinalmente falhos, dotados de imprudência, negligência, imperícia ou até mesmo dolo.

Tal comprovação é demasiadamente difícil, visto que, necessita que toda a documentação produzida na operação médica, mesmo completíssima, e que deve ilustrar exatamente as vontades do paciente frente ao seu conhecimento sobre o que será feito, o que muitas vezes pode ser dificultoso, dada a falta de conhecimento dos pacientes em geral sobre os procedimentos médicos, não seja necessária para a produção da diabólica prova negativa.

Ademais, é importante ressaltar que as práticas pós operatórias são extremamente importantes para que se alcance a finalidade da prática médica, diante disso, nos casos em que os pacientes não tomam os devidos cuidados posteriores ao trabalho médico, a comprovação do médico quanto a sua atuação correta e imprudência do indivíduo atendido, é de enorme dificuldade.

Nesse cenário, médicos em geral, tomam todos os cuidados possíveis para evitar serem acionadas através de uma demanda judicial, cuidados esses que podem atrapalhar o exercício pleno da medicina, uma vez que, oneram o médico com protocolos excessivos que apenas servem para se proteger quanto a qualquer alegação de trabalho falho.

Assim, a aplicação do CDC na relação médica, tratando a saúde e a vida da mesma forma que se tratam mercadorias e prestações de serviços em geral, desprestigia a liberdade e o bom trabalho que o médico pode prestar quando trabalha sem a carga de ser processado por um erro que não cometeu e que terá grandes dificuldades em comprovar a sua inocência.

Para evolução da normatização médica, implantando maior justiça e refletindo, de fato, as características únicas da relação médico e paciente, é imprescindível que haja a elaboração de um conjunto de leis que regulem unicamente essa relação, norteando a atuação do médico e os direitos e deveres dos pacientes.

Leonardo Herbert